sexta-feira, 31 de agosto de 2012


A visão de um especialista sobre a questão de prova

Por mc
Um dos comentaristas afirma que nunca aparecem por aqui argumentos citando especialistas em direito; e que, se aparecessem, seriam de advogados criminalistas, que (nas palavras dele) são uma "escória" cujo ganha-pão é "manter bandidos livres" (essa, de resto, uma das coisas mais assustadoras que já li nesse blog; ninguém merece isso, Nassif).
Seja como for... Segue matéria interessante publicada no Valor, com especialista comentando essa questão dos precedentes abertos ou não pelo STF nesse julgamento. 
Do Valor
Eduardo Saad-Diniz
Há quem entenda que as questões de prova estão circunscritas ao âmbito específico do jurídico. Até se reconhece a influência de elementos exteriores na produção de provas periciais, como é o caso das verificações científicas que fundamentam a instrução criminal. Mas talvez seja preferível situar a questão de prova como um autêntico problema de caráter científico (ela seria trazida de outros âmbitos para auxiliar as decisões jurídicas), de tal forma a permitir identificá-las conforme os critérios de “verdade” e “falsidade”. Isso pode oferecer ao direito o reforço da certeza de suas decisões quanto à existência, de fato, das acusações na realidade.
A prova é essencial para se determinar a existência ou não do crime, mas não substitui o livre convencimento do juiz, a capacidade que têm os juízes de valorar as provas. Quer dizer, o “verdadeiro” e o “falso” não substituem o “punível” e o “não-punível”. Trata-se, na verdade, de operação bastante simples: a prova produzida conforme critérios científicos informa ao jurista os parâmetros mais seguros para o reconhecimento da autoria e da materialidade. Sobretudo em matéria penal, quando da verdade das provas deve seguir a restrição da liberdade do responsável, é preciso um manejo que afaste a dúvida.
Os indícios permitem ao juiz construir uma versão dos fatos correspondente à verdade, ou o mais próximo dela, verossímil. No julgamento do mensalão, a relação entre as provas que foram trazidas de fora para a Ação Penal nº 470 tem estimulado os debates entre os ministros no sentido de se tomar as teses de acusação e defesa como mais ou menos razoáveis. Seja como for, a decisão jurídica não deixa de ser também uma questão de se provar o razoável.
Na apreciação das provas e convencido da razoabilidade das acusações, o ministro Cezar Peluso entendeu que, por se tratar de crimes formais, os mecanismos ilegais dispensariam maiores investigações sobre a origem ilícita ou mesmo que se conhecesse a finalidade a que se destinavam. Nessa decisão, relevante foi observar que, na ausência de prova direta de autoria e materialidade, não se deve deixar de desconsiderar a eficiência que geram esses indícios na persecução penal e na eficácia da prova indireta para se determinar o comportamento ilícito. Mas até que ponto isso seria recomendável?
Para dar conta dessas insuficiências da teoria da prova – algo de que se ocupou a maior parte das teses de defesa -, boa parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) até o momento tem admitido esses elementos indiciários, entendendo-os idôneos o suficiente para sustentar a possibilidade da ocorrência do comportamento penalmente reprovável. O problema, no entanto, seria se essa admissão contaminasse nosso ordenamento jurídico, criando precedentes em que a decisão entre punível/não-punível seja facilmente substituída por meros juízos de probabilidade sobre a existência do comportamento ilícito.
Ao fim do julgamento, o entrave das provas indiciárias evidenciará até que ponto o STF se propõe a desconsiderar a necessidade de prova inequívoca dos fatos para recuperar a moralidade da gestão da coisa pública. Em outros termos, se para contornar as suspeitas da administração será dispensada a comprovação dos atos de ofício, os ministros serão responsáveis por veicular padrões austeros de cumprimento de dever funcional, alcançando medidas condenatórias na maior parte das vezes fundamentadas em simples omissão imprudente ou falta de dever objetivo de cuidado. Ou se a livre apreciação da prova pode chegar ao ponto de prescindir de uma verificação científica das provas. A questão da prova segue sendo um grande entrave à decisão jurídica. E dela advirá o que tem sido talvez a maior expectativa em relação ao julgamento: a construção racional de um modelo jurídico de prevenção à corrupção no lugar de indesejável subjetivismo decisório, fortemente influenciado por julgamentos morais.
Em tempo, merece reconhecimento público o ministro Cezar Peluso pelo profissionalismo com a toga no STF; ele mais agradou do que desagradou.
Eduardo Saad-Diniz é professor doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (USP/FDRP)

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