Os paraísos fiscais na berlinda

Por Paulo F.
Da Swissinfo
"Sigilo bancário foi equiparado à fraude fiscal"
Ataques ao sigilo bancário suíço podem vir do Conselho da Europa.
Ataques ao sigilo bancário suíço podem vir do Conselho da Europa. (AFP) 
Por Peter Siegenthaler, swissinfo.ch
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa vota em 27 de abril uma resolução em que se proclama a luta contra os paraísos fiscais.
Na mira da resolução está, em primeiro lugar, a Suíça. Ela é muito tendenciosa, diz um membro da delegação suíça.
p>O sigilo bancário suíço tornou-se tão frágil como nunca antes. Na disputa fiscal com outros países, a Suíça fez amplas concessões. Hoje ela fornece a autoridades fiscais estrangeiras dados de clientes que antes eram protegidos a qualquer preço. Apesar disso, a pressão quase não diminui.
Um novo ataque vem agora do Conselho da Europa, do qual a Suíça é um dos 47 Estados-membros. Sua Assembleia Parlamentar deve votar em 27 de abril uma resolução por "mais justiça fiscal" e contra paraísos fiscais e sistemas jurídicos que facilitam a evasão fiscal através de sigilos bancários. O objetivo da resolução é acabar com o sigilo bancário fiscal.
O relatório em que se baseia a resolução inclui um ranking dos principais refúgios fiscais. Nesta lista, que foi elaborada pela organização não governamental "Tax Justice Network" (Rede pela Justiça Fiscal), a Suíça ocupa o primeiro lugar.
Na Comissão que preparou a resolução há também parlamentares suíços, entre eles Urs Schwaller, senador do Partido Democrata-Cristão (PDC, centro) de Friburgo.
swissinfo.ch: O senhor não poderia ter impedido este ataque contra a Suíça na Comissão?
Urs Schwaller: A Comissão equiparou o sigilo bancário à fraude fiscal. Isto não é novo, e sim o resultado de um trabalho de anos que fala repetidamente de paraísos fiscais e, com isso, equipara a Suíça a todas as Ilhas do Canal da Mancha.
O que me incomoda é que o relatório – pelo menos na primeira versão – omitiu completamente o que a Suíça fez nos últimos anos em termos de intercâmbio de informações, assistência administrativa e acordos sobre bitributação.
É inadmissível que se coloque só a Suíça no pelourinho entre 30-40 países, e no final ainda se apresente listas sujas, sem dizer quem elaborou estas listas, ou seja, uma organização que não tem qualquer base e legitimidade estatal.
O senador Urs Schwaller, do PDC.
O senador Urs Schwaller, do PDC. (Keystone)
swissinfo.ch: Se Conselho da Europa aprovar a resolução, ela não será vinculativa, e sim apenas uma recomendação. Mesmo assim, ela pode prejudicar a Suíça?
U. Sch.: Sim. São novas alfinetadas contra as quais é preciso se defender. A recomendação iria para os Estados-membros, talvez para o Parlamento Europeu. Isso desperta certa atitude que é ruim para a Suíça.
swissinfo.ch: Com a sua posição, o senhor esteve quase sozinho na Comissão. Por que todos os outros países são contra a Suíça?
U. Sch.: Ninguém tem muito interesse em se expor quando se aponta com o dedo só para um país. Nós não somos país-membro da UE, não participamos de diversos comitês, por isso, outros países não se sentem particularmente obrigados a ficar do nosso lado.
swissinfo.ch: O senhor espera que o Parlamento aprove a resolução?
U. Sch.: Vamos ver se há outros países que rejeitam a resolução conosco. Eu acho que Luxemburgo e também a Áustria e o Reino Unido pelo menos deveriam ter interesse em que se mostre tudo o que esses países fizeram nos últimos anos.
swissinfo.ch: No relatório sobre a resolução, argumenta-se que os paraísos fiscais e centros financeiros offshore que favorecem a evasão fiscal não só oneram o contribuinte normal e prejudicam as finanças públicas, mas também minam a "boa governança". Isso não parece evidente?
U. Sch.: Não se pode negar que até dois anos atrás – em particular diversos bancos – contribuíram para ajudar pessoas a não pagar impostos sobre toda a sua renda no seu país de origem. Mas aqui ocorreu uma mudança de paradigma na política. Desde 2009, nós aplicamos o padrão OCDE, concluímos mais de 40 tratados sobre dupla tributação, prestamos assistência administrativa e temos uma fiscalização independente do mercado financeiro. O que eu não quero é o intercâmbio automático de dados.
swissinfo.ch: No relatório, a Suíça é acusada de, ao contrário de muitos países europeus, não estar disposta a abrir mão de uma parte de sua autonomia em favor de uma legislação que não beneficia a evasão fiscal.
U. Sch.: Temos no país ainda a distinção entre fraude fiscal e sonegação de impostos. Isso eu quero manter. Não se trata de criminalizar setores inteiros da população, talvez porque se tenha presenteado o neto com 50 francos que não foram declarados. A privacidade é protegida na Suíça.
swissinfo.ch: O fisco suíço não é um Vogt fiscal mau, arbitrário. Ele tem de cumprir a lei e só pode cobrar impostos que lhe são devidos. Por que essa esta proteção privacidade lhe é tão importante?
U. Sch. Eu não quero um cidadão transparente. Temos na Suíça um elevado grau de honestidade fiscal. Para mim é importante que o cidadão tenha uma esfera privada em que o Estado não pode intervir. Isso inclui também certo grau de confidencialidade das informações pessoais. Este é um dos valores fundamentais e um dos pontos fortes do nosso país.
swissinfo.ch: O sigilo bancário contribuiu ao longo de décadas para atrair enormes fortunas estrangeiras aos bancos suíços. Entrementes, a Suíça teve de fazer algumas concessões e afrouxar o sigilo bancário. Apesar disso, a pressão do exterior não diminui. Por quê?
U. Sch. Muitos países estão completamente sobre-endividados. E eu entendo que eles queiram tributar o crédito de seus compatriotas nos bancos suíços.
Eu apoio essa luta na medida em que não se deve proteger uma não-tributação fraudulenta. Nós já prestamos assistência administrativa ao exterior em casos de evasão fiscal. Oferecemos ao fisco extrangeiro a possibilidade de obter certos dados que, há alguns anos, eram protegidos. Mas agora devemos continuar nessa linha.
Peter Siegenthaler, swissinfo.ch
Adaptação: G. Francisco Hoffmann