"O Congo da Uerj", a carta lida por Luiz Fux

Por Weden

O Ministro Luis Fux, do STF,  na justificativa que fez do seu voto, leu a carta enviada pelo CALC - Centro Acadêmico Luiz Carpenter, do Direito, e lembrou a espontaneidade da juventude carioca, ao citar a auto-referência que estudantes da UERJ adotaram nos Jogos Jurídicos:
A UERJ É O CONGO. E O CONGO VENCE TUDO.
Na verdade, uma resposta muito bem humorada contra todas as formas de preconceito.

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2012.
Nós, estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, manifestamos diretamente nosso sentimento, neste momento decisivo da história do combate às desigualdades sociais e raciais em nosso país.Como estudantes de uma instituição pública que adota o sistema de reservas de vagas em seu exame de ingresso há dez anos, a serem completos neste ano de 2012, podemos dizer que, felizmente, estudamos em um ambiente mais democrático, menos desigual e, principalmente, mais brasileiro.
Afirmamos a brasilidade de nossa Universidade no sentido do Brasil que desejamos, pelo qual trabalhamos e que sabemos ser a busca desta Corte Suprema, bem como de todo o poder judiciário nacional e dos Poderes legislativo e executivo nacionais.
O sistema de cotas, em nossa Universidade, reserva vagas para estudantes que comprovadamente se encontram em desvantagem econômica, de modo que tais vagas sejam preenchidas, conforme porcentagem, por pessoas com deficiências, por filhos de policiais civis e militares, de bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço, e por índios e negros.
Tal reserva de vagas, na UERJ, dá-se em cumprimento à lei estadual 5.346/08, a qual busca concretizar não apenas as disposições do art. 3º da Constituição Federal, mas também às determinações de leis especiais, tal como o Estatuto da Igualdade Racial, disposto pela lei 12.288/10, que dispõe sobre as ações afirmativas.
A partir do ingresso desses estudantes, há dez anos, observamos uma mudança completa no ambiente de nossa formação acadêmica cujas consequências foram apenas benéficas.
No momento da adoção do sistema de reserva de vagas, porém, muitas críticas foram levantadas, como o são até hoje e despertam a ação aqui discutida. As críticas, no entanto, nada mais revelam do que o total desconhecimento das reais necessidades da Universidade brasileira e, por isso, as acusações ao sistema de cotas devem ser veementemente rebatidas e o são, pelos estudantes que assinam esta carta e que, sem dúvidas, ganham adesão da sociedade nacional e desafiam os condenadores do sistema debatido a provarem a concretização de quaisquer de seus argumentos.
Após dez anos de adoção das cotas, é possível observar que, conforme constatado em diversos estudos sobre o tema, os estudantes cotistas correspondem à oportunidade que conquistam com resultados que podem ser equiparados ou que até mesmo superam aqueles obtidos por estudantes que ingressaram na Universidade pelo regime tradicional de preenchimento de vagas.
O crescimento do ódio racial, por sua vez, que muitos alegaram ser inevitável em um sistema no qual haveria distinção por etnia para o ingresso no ensino superior, não é característica de modo algum notável em nosso ambiente acadêmico. Ao contrário, notamos que a diversidade que vivenciamos em nosso ambiente universitário e que reflete, de fato, o Brasil, possibilita um enriquecimento de nossa formação acadêmica e pessoal que, até o momento, não possui equivalente em instituições de ensino que não adotam o sistema.
Note-se, ainda, que a distinção dos estudantes, para ingresso nos cursos de ensino superior, proporcionou para a Academia, não apenas a diversidade, mas também o estímulo ao debate sobre a existência do racismo, em nossa sociedade, e a busca por instrumentos e políticas para combatê-lo, como mecanismo de seu desenvolvimento.
São formados, assim, sem distinção alguma de tratamento, profissionais de excelência, em todas as áreas do conhecimento, capazes de refletir e dispostos a, em breve, pintar de todas as cores os cargos de liderança de nossa nação.
A experiência de adoção do sistema de reserva de vagas em nossa Universidade também provou ser falsa a ideia por alguns alegada de que aquele violaria a meritocracia historicamente adotada no ingresso à Universidade brasileira.
Neste ponto, revela-se nada mais do que a ausência de compreensão a respeito da forma de ingresso nos cursos de graduação a partir do sistema de cotas, visto que este exige, dos estudantes que o utilizam, a aprovação no mesmo e difícil exame de vestibular prestado por aqueles que não se valem das vagas reservadas.
Logicamente, ainda há muito a ser feito, em nossa Universidade, pois é preciso que aos estudantes cotistas seja oferecido todo o suporte necessário à sua permanência nos cursos de graduação, em especial financeiramente, sendo necessário o aprimoramento desse auxílio.
O sucesso das cotas, na UERJ, entretanto, revela a importância e, ainda mais, a necessidade de sua adoção nas demais instituições públicas de ensino superior do país, visto que ele impulsionará, em um futuro próximo, a redução das desigualdades sociais e raciais de nosso país, a partir do preenchimento de nossos quadros profissionais por cidadãos de todas as origens.
Para tal, é essencial que este tribunal acolha a demanda dos estudantes e do povo brasileiro e reconheça a constitucionalidade do sistema de cotas, em sua integralidade, o que inclui a reserva de vagas por critérios de origem social e racial.
Esse reconhecimento será não apenas a promoção da justiça, mas também o passo deste tribunal que revelará a sua determinação em buscar o desenvolvimento e a construção do país efetivamente desejado por todos.

Membros da gestão Reconstruindo o CALC, do Centro Acadêmico Luiz Carpenter