Cineasta Laura Poitras diz sofrer perseguição nos EUA

Por alfeu
Do Opera Mundi
Cineasta americana indicada ao Oscar é perseguida em aeroportos por criticar Washington
Desde o 11 de setembro, leis de exceção dão carta branca para agentes bisbilhotarem bagagens e confiscarem bens   
Dilvulgação/Kris Krüg/PopTech

Laura Poitras em 2010, no lançamento do documentário The Oath, sobre acusados pelo 11/9, aclamado no festival de Sundance
Após os atentados terroristas de setembro de 2001, o governo dos Estados Unidos criou uma serie de leis que autorizam a intromissão do Estado na vida privada dos cidadãos. Desde então, é cada vez maior o número de norte-americanos que viajam ao exterior e que ao retornar são detidos nos aeroportos, onde têm suas bagagens revistadas, e o conteúdo de computadores e celulares – e-mails, textos, vídeos e fotografias - é checado e copiado.
p>E não há a quem reclamar. As leis de exceção autorizam os funcionários do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) a fazer vistorias, mesmo sem autorização judicial, e o cidadão não tem qualquer possibilidade de pedir explicações. Ou seja, é como se desde o 11 de setembro a quarta emenda – que garante os direitos à intimidade e privacidade - tivesse desaparecido da Constituição norte-americana.
Para piorar, essa diretriz de segurança muitas vezes acaba sendo usada contra pessoas críticas à política externa norte-americana. É o caso da cineasta Laura Poitras, indicada ao Oscar e ao Emmy por seus documentários sobre o Iraque e o Afeganistão. Ela é autora do longa My Country, My Country, filmado em 2005, no qual relata o impacto emocional que a guerra teve tanto em iraquianos como nos soldados norte-americanos.
Em 2010, filmou The Oath, que registra a vida de Salim Hamdan, ex-motorista de Osama Bin Laden, que se encontra preso na Base Naval de Guantánamo, e um cunhado seu que foi guarda-costas do líder terrorista. Para o The New York Times, este último filme constitui uma “viagem extraordinária ao interior da vida dos dois iemenitas”. O jornal também considerou os dois documentários os melhores filmes feitos depois dos acontecimentos de setembro de 2001.
Mas, desde que começou nesta linha de denúncias, Poitras tem sofrido pressões constantes por parte das agências governamentais de segurança, especialmente quando volta aos Estados Unidos e é detida pelas autoridades de segurança, que querem saber por onde andou e o que fez durante suas viagens ao exterior.
Desde que My Country, My Country estreou nos Estados Unidos, em 2006, a cineasta já viajou ao exterior cerca de 40 vezes. Em todas elas, na hora da volta, seu avião foi esperado por funcionários do DHS, que na saída da aeronave pediam o passaporte a todos os passageiros até que a encontravam. Nas poucas ocasiões em que não a identificaram, ela foi detida ao momento de entregar o seu passaporte para ser carimbado.
Seguiram-se então dezenas de horas de interrogatórios, durante os quais ela teve de responder perguntas como “com quem conversou”, “que entrevistas fez”, “qual o objetivo da viagem” e “para quem trabalha”.
Poitras, que é uma cineasta e produtora independente, contou à revista que os agentes sempre confiscam seu computador portátil, a filmadora e o celular. Ocasionalmente, pedem também o bloco de anotações e copiam suas páginas. Uma vez, inclusive, perguntaram se ela “não queria ajudar o seu país a se defender”. Os agentes também não têm piedade com os seus cartões de crédito, todos os recibos são xerocados.
Novo filme
A idéia de Poitras é realizar um terceiro filme. Segundo explicou ao site Salon, “a idéia é abordar a forma como os métodos da luta contra o terrorismo foram importados para dentro do território dos Estados Unidos, com um enfoque particular no reforço dos poderes outorgados ao governo para espionar seus próprios cidadãos e a ampliação das atividades secretas da Agencia de Segurança Nacional (NSC, por suas iniciais em inglês) neste sentido, assim como os ataques pessoais contra aquelas pessoas que denunciam a corrupção dentro do governo e os esforços para acabar com a transparência na internet”.
Mas a perseguição contra ela não se realiza só nos Estados Unidos. Poitras já foi barrada e interrogada duas vezes em Londres por agentes do governo norte-americano ao embarcar em um avião rumo a Nova Iorque, e por causa dos interrogatórios quase perdeu o vôo. Em novembro de 2010, quando desembarcou em Nova Iorque, a cineasta se recusou a responder às perguntas dos agentes do DHS. “Acho que é muito suspeito que a senhora não queira ajudar o seu país respondendo a umas simples perguntas”, disse um dos agentes. Foi retida durante quatro horas.
Ultimamente, esta situação obriga Poitras a tomar medidas especiais. Evita viajar com computadores, trabalha com filmadoras alugadas no exterior e manda as suas filmagens e anotações de volta para os Estados Unidos por meio de amigos. A perseguição chegou a um ponto, que ela evita falar de trabalho por telefone por medo de estar sendo monitorada.
A cineasta também não quer falar muito do assunto. Opera Mundi tentou entrevistá-la, mas ela não respondeu a vários e-mails. O pouco que até agora se queixou em público foi na curta conversa com um jornalista do Salon. “É uma situação traumatizante. Você chega no seu país e é sempre tirado da fila e interrogado. Os interrogatórios e as ameaças são horríveis e intimidantes. Eu já perdi a vontade de viajar”, afirmou Poitras.
A cineasta pediu ajuda à Associação Americana de Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), e a organização entrou com um processo na justiça pedindo ao governo que defina qual é a autoridade do DHS nestes casos e a devolução de alguns documentos da cineasta que ficaram retidos. A ACLU também quer que o governo dos Estados Unidos entregue toda a documentação que autoriza os agentes do DHS a assediar pessoas como Poitras, para poder identificar os responsáveis por uma violação tão flagrante da quarta emenda da Constituição.