O Santander e o rombo do Banesprev

Santander nega cobrir déficit do Banesprev
Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org
Da Agência Dinheiro Vivo
Contribuintes do Banesprev, o fundo de pensão do antigo Banco do Estado de São Paulo (Banespa) deverão pagar, a partir do próximo dia 20, o dobro do valor com o qual estão acostumados a contribuir para a complementação previdenciária. A cobrança, que também atinge os servidores já aposentados, faz parte do rateio que foi votado pelo Conselho Deliberativo do fundo no início do ano, para tentar cobrir o rombo de R$ 771 milhões. A Afubesp, associação dos funcionários do banco, reúne-se, na próxima semana, com representantes do Ministério da Previdência, para questionar a medida, apoiada pelo Santander. Segundo a entidade, o déficit está relacionado ao serviço passado do Plano II, uma dívida herdada pelo banco espanhol depois que privatizou o Banespa há 11 anos.

dívida do serviço passado - termo usado para designar o período entre 1975 e 1987, ano da fundação do Banesprev - deveria ter sido paga pelo Banespa em 20 anos. Em 2010, dirigentes da Afubesp e de outras entidades sindicais, reuniram mais de mil páginas em documentos para comprovar a existência do serviço passado. Em 2011, após fracassos na negociação com o Santander, as entidades entraram com denúncia na Previc. A decisão do equacionamento do déficit fora agendada para março de 2012, mas no final do ano passado o órgão do Ministério da Previdência decidiu arquivar a denúncia. Procurada pela reportagem do Brasilianas.org, a Previc disse, por meio da assessoria de imprensa, que não se pronunciará publicamente sobre o assunto.
De acordo com o presidente da Afubesp, Paulo Salvador, o cerne de todo o problema é o serviço passado. “O que aconteceu é que as pessoas foram se aposentando, consumindo as reservas, sem se aportar o serviço passado. Todos achavam que o dinheiro daria para aposentar todo mundo, devido ao patrimônio do fundo, às ações, aos aluguéis, e a seus outros ativos, mas chegamos em 2008, com a crise mundial, e o déficit, que inicialmente era considerado conjuntural, em função das quedas das bolsas, tornou-se estrutural e sem volta”,
No contrato do Plano I, há o compromisso, registrado no ministério da Previdência, afirmando que a patrocinadora (na época o Banespa) deveria quitar possíveis déficits futuros.
Procurado pela reportagem, o Santander disse, em nota enviada pela assessoria de imprensa, que o serviço passado “já é um tema superado”. Segundo o banco, o Plano II é de responsabilidade compartilhada dos participantes e, por isso, o déficit deve ser rateado na mesma proporção (55% do banco e 44,95% dos participantes), conforme determina a legislação brasileira.
A nota também afirma que o atuário responsável pela criação do plano e assessoria até 2000 atestou pela inexistência do serviço passado. “As consultorias posteriores e a atual também concluem pela inexistência, todas as notas atuariais arquivadas na Previc, atestando a inexistência de qualquer contribuição adicional por parte das patrocinadoras”. O Santander considera ainda que o déficit do Plano II tem natureza conjuntural, devido especialmente à queda das bolsas em 2008 e à aposentadoria antecipada dos participantes.
Antes mesmo da criação do Plano II, previa-se o déficit. Um dos documentos, apresentados pela Afubesp, de dezembro de 1986 e assinado pelo Ministério da Previdência, apontava que o banco deveria, no prazo de 24 anos, amortizar os compromissos especiais, ou seja, fazer o aporte das pessoas que ainda estavam no Plano I. Em outro documento do mesmo ano, reduz-se o prazo para 20 anos.
“Passamos 11 anos alertando, com estudos, a patrocinadora e a Previc, mas não tomaram providências. Houve omissão proposital da própria Banesprev e do Santander”, declara Salvador.
Na próxima quarta-feira (4), a Afubesp participará de uma audiência em Brasília, na sede do ministério, para cobrar explicações sobre o arquivamento. “Será uma audiência de instrução do processo, pois não temos mais perspectivas de conciliação”, disse Salvador. Na última tentativa de negociação, o Santander pagaria R$ 440 milhões do déficit e o restante (R$ 331 milhões) ficaria por conta dos trabalhadores.

Sequencia histórica dos fatos
O funcionalismo do Banespa tem dois grandes grupos: um, pré-1975 e o outro, pós-1975. Era muito comum, em várias empresas estatais, programas de complementação do salário dos funcionários. Portanto, naquela época, até 1975, o funcionário do Banespa ainda não precisava pagar para incrementar sua aposentadoria, explica Salvador. Se a pessoa ganhava 5 mil, e se aposentou pela previdência com 2 mil, os 3 mil restantes eram pagos pela empresa estatal.
Isso durou até 1975. No dia 23 de maio daquele ano, as empresas estatais foram obrigadas, por decisão judicial, a extinguir o benefício para os funcionários futuros. Quem entrou no Banespa depois daquela data, não pôde mais contar com a complementação. No total, foram aproximadamente 12 mil novos funcionários que entraram após 1975 e que, inicialmente, contariam apenas com o teto do INSS. Mas como eram recém-ingressos, os servidores ainda não corriam riscos. Por exemplo, o funcionário que entrou exatamente no dia seguinte à decisão, 24 de maio, só iria se aposentar em 2005 ou 2010 (variando o tempo de prestação, entre 30 e 35 anos). Assim, até lá, esperava-se, deveria surgir alguma solução.
Houve um intenso debate, envolvendo movimento sindical, governo e Banespa, sobre qual seria o futuro da complementação da aposentadoria dos novos funcionários. Chegou-se à conclusão que um fundo deveria ser criado, afinal não havia possibilidade de se voltar atrás na decisão do governo. Ficou certo que o custeio do fundo seria dividido entre a empresa e o trabalhador, modelo copiado do sistema da saúde. O processo de debate foi longo e marcado por greves.
Em 1985, entra-se num acordo, e a diretoria do Banespa aceita a criação do fundo de pensão, que só foi se consolidar em 1987, após autorização do então Ministério da Previdência e da Assistência Social. O presidente do Banespa naquele ano era Otávio Ceccato, no governo de Oréstes Quércia, condenado em 1995 a ressarcir prejuízos causados após autorizar a compra de um lote de 50 milhões de dólares em títulos da prefeitura de São Paulo, fazendo o banco perder 55 milhões de dólares em operações financeiras.
É criado, então, o Fundo Banespa de Seguridade Social, o Banesprev, e também o ponto de partida dos problemas que se seguiram. O passo inicial foi o lançamento do Plano I, no qual todos os funcionários foram inseridos; quem era pré-1975, ficou nesse plano, mas o pagamento era feito diretamente do caixa do banco, e não pelo fundo. Durante um tempo, foram realizados estudos para que fosse criado o plano para a turma pós-1975. Em setembro de 1994, é finalmente constituído o Plano II - já com o pagamento da primeira parcela -, para o qual deveriam migrar, por adesão, as pessoas que queriam a complementação. O custeio foi definido da seguinte forma: 55,05% pagos pelo banco e 44,95%, pelo trabalhador.
“No Plano I, tinha essa previsão para mim, mas quando fui para o Plano II, esse contrato não foi carregado”, explica o presidente da Afubesp. Assim, os servidores pré-1975 eram pagos com dinheiro direto do caixa do banco. Já com o Banesprev, o Plano I serviu como um “plano dormitório”. Todos foram inscritos nele, mas ninguém pagava. “O Plano I mesmo ficou só com umas 800 pessoas, foi criado apenas para se fazer um cálculo”.
O contrato do Santander, logo após a compra do banco estatal, previa o período relacionado ao serviço passado. Salvador, por exemplo, entrou no banco em 4 de junho de 1975, e só pôde fazer o pagamento da primeira prestação do Banesprev em setembro de 1994, por meio do Plano II. Antes, no entanto, ele estava no Plano I, assim como todos os outros. “E tinha um carregamento das reservas, em um contrato de 19 anos”. Essa diferença do serviço passado, período em que não houve contribuição, é que precisa ser quitado - pelo simples fato de que o fundo de pensão ainda não existia.
O que acontece é que há uma lacuna referente ao não pagamento dos funcionários pós-1975 e anterior à criação do fundo, em 1987, e, segundo Salvador, uma falta de fiscalização da Superintendência Nacional de Previdência Complementar do Ministério da Previdência (Previc).
A reportagem também procurou o Banesprev, mas até o fechamento dessa reportagem não recebeu resposta para entrevista.
Abaixo, a íntegra da nota do Santander e, em anexo, os documentos citados na reportagem.

1) O Plano I é de responsabilidade integral das patrocinadoras e o custeio sempre integral dos patrocinadores .
2) O Plano II é de responsabilidade compartilhada (55,05% da patrocinadora e 44,95% dos participantes). E portanto déficits ou superávits devem ser rateados na mesma proporção, conforme determina a legislação pertinente.
3) A questão do serviço passado já é um tema superado. Por diversas vezes a Previc já se manifestou sobre a regularidade da composição das reservas do plano, ocorrendo fiscalizações detalhadas na Banesprev, que concluíram pela inexistência de obrigações ou serviços passados.
4) O atuário responsável pela criação do plano e assessoria até 2000 também atestou pela inexistência do serviço passado. As consultorias posteriores e a atual também concluem pela inexistência do serviço passado, todas com notas atuariais arquivadas na Previc, atestando a inexistência de qualquer contribuição adicional por parte das patrocinadoras.
5) Não há qualquer documento emitido pela patrocinadora que reconheça o serviço passado. Pelo contrário, os documentos são todos pela inexistência dessa obrigação.
6) Até 2007 o plano II apresentava superávit, o que demonstra o equilíbrio atuarial do plano e a inexistência do serviço passado.
7) A partir de 2008 o plano II começou a apresentar déficit em razão das crises financeiras nos EUA e Europa que afetaram a bolsa de valores e portanto a parcela do patrimônio do Plano investida em ações.
8) Concluindo, o déficit do Plano II tem natureza conjuntural, em especial a queda das bolsas de valores desde 2008, a aposentadoria antecipada dos participantes e reduzido nível de desligamentos nas patrocinadoras. E pela legislação em vigor, planos de previdência complementar fechada em situações de déficit devem ter seu déficit coberto na proporção das contribuições.


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